Foi o que me disse uma vez um aluno. Indaguei-lhe o porquê. Claro, veio a resposta de sempre:
“- Não preciso porque contrato um”.
Achando-se todo pimpão, o reizinho (ou a rainhazinha) da cocada preta pensava que tinha concluído seu estupendo raciocínio como um von Karajan terminava o Anel dos Nibelungos: de forma inigualável.
Mas aí eu disse a ele:
“- Com que dinheiro”?
O nosso João Galt (ou nossa Joana Galt), verdadeiro empreendedor que nunca lavou pratos para ajudar a mãe, respondeu, novamente, com aquele ar superior:
“- Ora, com o meu. Meu pai é rico. Trabalho com ele”.
Embora eu não seja um profundo conhecedor das cousas da demografia, sei que pessoas morrem. Então, com muito cuidado para não ferir os sentimentos do gênio, perguntei-lhe:
“- Vem cá, sem querer que isso aconteça, aliás, Deus queira que não, mas e se o seu pai morrer? Não, não me refiro ao problema da existência de Deus. Para isto, talvez seja melhor você fazer como Pascal. Refiro-me ao seu pai”.
“- Ah, isso? O que tem? Ué, se ele morrer, eu toco o barco. Ele não me deixaria fora da herança, professor”.
“- Claro que não! Um talentoso jovem como você…que pai deixaria de fora, né? Mas digamos que você tenha que dividir com os seus irmãos. Com que dinheiro vai contratar o econometrista”?
“- Ora, professor, aí eu trabalho um pouco, caso necessário…”.
“- Certo, permita-me interromper este seu raciocínio para torná-lo mais interessante para você e seus amigos”.
Ele e a turma sorriram, felizes, com a perspectiva de se deliciarem com um argumento mais rico, gerado por um membro rico da elite, com alguma colaboração de um insignificante professor.
“- Digamos que seu colega, João Galt, o John Ant, trabalhador, aí, o cumulative distribution function, ou, C.D.F. da turma, também queira contratar um econometrista”.
Do canto da sala, discretamente, um sorriso de nosso John Ant.
“- Sim, professor, e daí”?
“- Naquele mesmo momento, quem teria mais dinheiro para pagar o econometrista: você ou John Ant?”.
“- Acho que John Ant”.
“- Consegue entender a causa”?
“- Por que ele estudou mais e tem mais dinheiro”?
“- Mas é um mancebo talentoso nosso João Galt (ou Joana G…cansei de fazer cortesia com os gêneropatas, chega!)! Vamos só mais um pouco, João. Será que John Ant não poderia, ele mesmo, fazer o estudo de Econometria”?
“- Por suposto, professor…é…ele estudou mais que a média da turma…”.
“- Podemos então concluir que ele vai economizar uma grana por ser mais produtivo do que você, João Galt”?
“-Podemos”.
Do canto da sala, o tímido John Ant já se abria como um pavão, sorridente.
“- John, calma aí, amigo”.
“- Sim, professor”.
Olhei para João e ele me encarava de forma menos arrogante. Um pouco mais aliviado, por livrar-se daquela maligna característica, de sabichão sem conteúdo, sorriu para mim e me disse:
“- É, professor, é por isso que o senhor está aí e eu aqui”.
“- Isso é verdade, mas já notou que não é tão difícil assim trocar de lugar comigo? John Ant, você, eu, todos nós, quando queremos, estudamos e, quando estudamos, não há erros: ficamos mais produtivos.
O relógio apontava o fim da aula. Aos poucos, todos se levantaram e saíram. Todos, menos João Galt que, finalmente, abriu o livro de Econometria e começou pelo índice, prefácio…
FIM