Quem não se lembra de Didi, Mussum, Dedé e Zacarias? Pois os mais velhos sabem que houve uma época em que eles estiveram separados – e a fascinante história empresarial por trás disto pode ser encontrado no livro que cito a seguir – por problemas de divisão de lucros. Há quem diga que uma matéria na revista Veja teria sido a causa, mas, na verdade, foi a gota d’água (*).
Um tempo depois, graças à astúcia de Beto Carrero, a amizade prevaleceu e os Trapalhões voltaram a ser um único grupo. Foi neste momento que eles adotaram um procedimento exemplar – uma intuição econômica ímpar! – para evitar que fuxicos viessem a atrapalhar, novamente, a relação entre eles.
A partir da retomada, nenhum dos integrantes falaria com qualquer veículo de comunicação isoladamente. Todos os pronunciamentos sobre o programa de TV ou sobre os próximos lançamentos para o cinema seriam feitos com os quatro comediantes juntos. [Barreto, J. (2014) Mussum Forévis: samba, mé e Trapalhões, p.281]
Por que eu digo que é uma intuição econômica? Vamos nos lembrar de suas aulas de Teoria dos Jogos. Lá, em algum momento, você deve ter passado por um problema clássico que é o de como fazer com que uma equipe gere um produto. Geralmente, o exemplo é da produção em equipes, grupos (production with teams). Claro, o esforço individual é importante, mas um produto como o programa dos Trapalhões é um bem público e, assim, o problema é que, via de regra, a tendência é que pessoas “joguem o trabalho nas costas dos colegas”.
O livro de Barreto nos dá várias pistas de que isto acontecia quando relata as diferenças entre a empresa de Renato Aragão e a DeMuZa dos outros três: percebe-se que, de fato, Aragão tinha um trabalho extremamente mais intenso e uma gerência bem mais controladora do que a empresa de Dedé, Mussum e Zacarias. Logo, queixas entre eles sobre a suposta desigual divisão de lucros iriam surgir mesmo.
Mas e o jogo? O jogo a que me refiro está resumido, por exemplo, em Shy (1996), cap.15, um livro-texto que penso ser um dos mais didáticos em termos de jogos aplicados à organização industrial. O jogo tem “n” membros que trabalham como uma equipe para gerar um produto de valor V. Cada qual coloca um esforço “ei” e a função de produção de valor é dada por V = ∑√ei. Obviamente, a utilidade de cada indivíduo “i” é dada por Ui = wi – ei. Assim, cada indivíduo maximiza sua função de utilidade.
O problema é, então, evitar o problema do carona. A solução, neste caso, é fixar o salário individual em uma descontinuidade: ou o grupo atinge um produto de nível V* e cada um recebe V*/N (N = número de envolvidos) no qual V* é o fruto da soma das funções de esforço individuais (no caso, V* = ∑√ei) ….ou ninguém recebe nada se não se atingir V*. A sacada é fazer com que o esforço marginal de cada um seja realmente o esforço marginal social.
Shy também nos lembra que este resultado funciona perfeitamente em um jogo de um único período. No caso de Os Trapalhões, claro, o jogo é dinâmico e pode surgir o problema de inconsistência intertemporal. Diz ele:
“(…) even if some deviation has occurred, it look as if the workers would be able to negotiate with manager or among themselves a redivision of the output, given that the manager will renegotiate the contract, the workers may not take this contract too seriously”. [Shy, Oz. Industrial Organization (1996), p.407]
É por isto que acho que a idéia da entrevista coletiva tem algo de intuição econômica e me lembra um pouco este jogo da produção em times. Afinal, eles trabalham e o programa só funciona com o conjunto inteiro (o que eles percebem quando do curto período de separação). Após a briga – causada por diversos motivos, mas todos geralmente ligados à divisão desigual de lucros e potencializada pela matéria da Veja – eles se uniram e se auto-regularam.
Sim, o jogo é dinâmico, mas não há um gerente como no jogo: são todos eles co-responsáveis (é o que também se depreende da leitura do livro de Barreto). Assim, para que continuassem a “jogar o lucrativo jogo”, após o desentendimento, seria necessário criar algum tipo de instituição, contrato, que minimizasse o problema de “fofocas” e fizesse com que eles mesmos resolvessem problemas (“lavassem a roupa suja em casa”, por assim dizer) antes de sair por aí reclamando.
Como aprendemos com vários autores – inclusive com a falecida Nobel, Elinor Ostrom – muitas vezes grupos privados desenvolvem soluções ótimas para problemas de bens públicos. O caso da entrevista em grupo não foi a única medida que eles tomaram para garantir estabilidade para suas carreiras, mas, creio, foi uma boa idéia.
p.s. Não sei se a analogia com o jogo é a melhor, mas foi a que me ocorreu e prefiro deixar a idéia de se pensar em outros jogos para os eventuais leitores do blog.
Um comentário em “Produção em Equipes, Teoria dos Jogos e, claro, Os Trapalhões”