Dia: fevereiro 14, 2014
Momento R do Dia
Final de semana: lembrando o valor da vida de uma forma não usual, creio
Meus amigos que tinham/têm amigos na região nordeste do Japão sabe que o grande tsunami de 2011 foi um evento de custos humanos elevadíssimos. Até hoje ouvimos músicas muito bonitas sobre isto. Outras são mensagens belíssimas para que as pessoas não desistam de suas vidas. Uma delas é esta, do Dreams Come True, cuja vocalista tem uma voz que…bem, ouça aí.
Eu sei, eu sei. Não é o estilo de música que eu vá cantar no chuveiro mas, ei, você não quer me ver cantando no chuveiro, certo?
Mais Abenomics
A política econômica da administração Abe é-me um mistério. Bom, nem tanto, mas algumas coisas soam contraditórias. Hoje descobri um pouco mais sobre isto. Veja esta entrevista com o que estão chamando de “braço direito” do primeiro-ministro, o prof. Etsuro Honda. Ele pertence à Universidade de Shizuoka, mas não parece ser um acadêmico no sentido estrito do termo (pesquisador).
Mas vamos à entrevista. O trecho que gostaria de destacar é este:
A Abenomics é uma política de crescimento baseada no estímulo ao consumo e aos salários ou, como alegam seus críticos, baseada no aumento das exportações pela via da desvalorização do iene?
O Banco do Japão fixou no ano passado a meta de inflação de 2% e adotou uma política de afrouxo monetário como meio de atingi-la em abril de 2015. A Abenomics, com seus estímulos monetários e fiscais, é o meio de mudar a mentalidade empresarial ainda apegada à deflação. Nos últimos 15 anos, o mercado de trabalho e as instalações industriais não se renovaram. A desvalorização do iene é necessária para alcançarmos a meta de inflação de 2%. Em dezembro de 2013, o índice de preços subiu 1,3%, principalmente por causa da desvalorização cambial. O alvo final do Abenomics é criar um círculo virtuoso de aumento de consumo, de preços e de produção. Quando a inflação alcançar 2%, o PIB potencial vai subir. O PIB real está agora bem acima do PIB potencial, de 0,5%, segundo o Banco do Japão. Para este ano fiscal, que se encerra em março, estimamos crescimento real da economia de 2,6%.
Honda se mostra bastante cuidadoso – e está correto – no que diz respeito ao assunto mais polêmico lá no Japão que é o aumento do imposto sobre consumo. Afinal a dívida pública japonesa é, realmente muito alta, em termos do PIB e, pelo visto, o governo não pensa que ela seja facilmente sustentável sem um aumento de receita ou não arriscaria uma medida tão impopular…
O aumento já foi decidido há mais tempo e, claro, o consumidor já se antecipou e certamente já se ajustou para o período das vacas magras. Acho que ninguém duvida disto. Podem me falar de economia comportamental, rigidez de preços, expectativas loucas, etc, mas eu aposto que os consumidores já se anteciparam.
Entretanto, e aí entra a política de Abe e Honda, o que se pretende é um crescimento da economia com inflação e, ponto difícil, aumento de salários nominais. Os sinais que o consumidor percebem, portanto, são distintos. Primeiro, há o crescimento econômico com inflação e, portanto, com corrosão do poder de compra. Para piorar, há o aumento de impostos.
Há aí, creio, um efeito barro-ricardiano, já que o aumento de impostos tem a ver com a saúde fiscal do governo. Ou seja, para quem já estudou isto em Macroeconomia, é possível que o aumento de impostos, por si só, não tenha muito impacto nos gastos de consumo. Suponha que seja este o caso, só para anularmos este efeito da análise. Ainda assim, há a inflação que, pretende-se, chegue a 2% ao ano. Caso isto ocorra, então como poderá a economia crescer com queda de poder real de compra?
Você pode estar pensando que eu vou dizer: há o setor externo! Desvalorize a taxa de câmbio e cresça “para fora”. Ocorre que o setor externo não representa uma parcela tão grande do PIB japonês. Aliás, o autor linkado merece ter um trecho citado aqui. Veja:
Myth #1: “Japan is an export-dependent country.”
Actually, exports are a smaller part of Japan’s economy (16%) than that of most rich nations’ (though bigger than the U.S.). Also, Japan hasn’t had a big trade surplus for a while.
Myth #2: “Japanese households save a lot.”
This used to be true, but isn’t true anymore. The household savings rate nearly hit 0% in 2008 and is only around 2% now (America’s is around 5%).
Myth #3: “Japan is a top-down economy guided by industrial policy.”
This used to be true, but isn’t anymore. The influence of METI (formerly MITI) has been curbed substantially. The Ministry of Finance still has a lot of power over banks, but this is true in other rich countries too and is generally what happens after a big banking crisis.
Pois é. Não adianta crescer tanto para fora. A autoridade monetária japonesa (o BoJ) tem um relatório mensal (e o último está aqui, traduzido) que você deveria ler para se atualizar sobre a economia japonesa. Eu dei uma olhada rápida e, bem, ainda continuo pensando que esta política é um prato cheio para qualquer aluno interessado em Macroeconomia (alguém já disse que a economia japonesa é um caso atípico. Acho que foi Paul Samuelson…). Não é todo dia que você vê um governo lutar para sair da deflação. Entretanto, este é exatamente o caso da economia japonesa.
Vamos ver se eu consigo trabalhar um pouco melhor com estas notícias, relatórios e dados…nos próximos posts. Por enquanto fique com este grupo (街角景気 – Machikado Keiki – algo como: Condições Econômicas das Ruas) que prometeu encurtar as saias (isto mesmo!) conforme a economia japonesa melhore. Segundo o site:
The concept of the unit is that the length of the skirts worn at their concerts is determined by the economic situation and the evolution of the Nikkei stock average. It is based on an observation : in Japan, during the periods of economic growth, the miniskirts become more popular, and vice versa during the decline periods. From an initial amount of 10000 yens, the scale has been fixed to the following values :
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9000 – 9999 yens : long skirt
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10000 – 11999 yens : middle skirt
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12000 – 12999 yens : mini-skirt
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13000 – 13999 yens : no skirt!
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14000 – 14999 yens : ultimate version
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15000 – 15999 yens : cake mini-skirt
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16000 – 19999 yens : Japan Break
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over 20000 yens : Shinzo Abe (prime minister) is invited to become the center of the idol group
Obviamente, o mais curioso é se alguém vai enxergar Abe no meio das meninas quando elas estiverem usando sabe-se-lá-o-que… (o pouco que eu entendi da letra é bem…digamos, econômica). Bom, não me parece que o grupo vá ter uma vida longa, mas eis aí uma amostra de sua música.
Demanda inelástica, mais impostos pagos? E o meu remédio?
Faz sentido? Pensando em um modelo simples, de equilíbrio parcial, faz. Caso você seja o governo, tributar demandas inelásticas pode ser uma boa idéia. Obviamente, você tem que levar em conta a estrutura de mercado na hora de fazer isto pois, como diria o jovem moderno, para além do livro-texto do 1o ano do curso, o estudo da incidência dos impostos é algo que foge da análise do equilíbrio parcial competitivo.
Primeiro, há que saber a estrutura de mercado. Como destaca Stiglitz, em seu clássico livro de economia do setor público, a análise da incidência de um imposto em uma indústria monopolista é mais complicada e depende dos custos marginais e o formato da curva de demanda.
Álgebra para quem precisa!
Um jeito fácil de ver a incidência é pensar, ainda em equilíbrio parcial, na seguinte relação:
p = (Cmg + t)/(1 + 1/η), na qual temos: p = preço do produto, Cmg = custo marginal de se produzir o mesmo, t = valor do imposto por unidade de produto e, claro, η = elasticidade-preço da demanda (em valor negativo, exceto para bens de Giffen).
No caso de competição perfeita, sabemos, η tende ao infinito e, portanto, a fórmula acima fica p = Cmg + t que é, exatamente, o que o sujeito aprende a usar em exercícios no primeiro semestre de um bom curso de Ciências Econômicas.
Agora, no caso do monopolista, lembra-nos Stiglitz, esta fórmula nos mostra que o consumidor pode acabar pagando mais do que 100% do valor do imposto. Pense no caso simples, no qual o imposto aumenta em R$ 0.10 por remédio, tudo o mais constante. Neste caso, como variará o preço? Basta fazer a variação parcial:
dp = (0 + dt)/(1 + 1/η).
Digamos que η = -2. Então, temos:
dp = 0.10 / (1 – 1/2) = 0.10 / (0.5) = 0.20.
Vale dizer, o preço aumentou em 20 centavos por conta do aumento do imposto em 10 centavos. Duvido que algum consumidor vá felicitar o governo por isto, não é?
Álgebra para quem precisa de polícia!
Mas o problema do imposto vai além do equilíbrio parcial e do mundo simples, dicotômico, que divide o mercado em “concorrência perfeita” e “monopólio”. Quando avançamos um pouco – não muito – no estudo da taxação, deparamo-nos com os impsotos de Ramsey. Em poucas palavras, Ramsey se perguntou sobre qual seria a estrutura ótima de impostos.
Citando, novamente, Stiglitz:
What taxes should the government impose on different commodities, assuming it could not levy lump-sum taxes? (…). In other words, he asked what tax structure would minimize the deadweight loss associated with raising a given amount of government revenue. In his analysis, Ramsey assumed all individuals were identical. (Stiglitz (1988), p.494-5)
Sem entrar nos detalhes algébricos (novamente), eis a fórmula de Ramsey:
t/p = k (1/ηd + 1/ηs)
Bem, k = fator de proporcionalidade (função do total de aumento de receita que o governo tenta obter), t = imposto, p = preço do produto após o imposto e, claro, os amigos gregos são as elasticidades-preço, respectivamente, da demanda (compensada) e da oferta.
Como você vê, a formula de Ramsey é até meio simples, quando você pensa no que aprendeu lá no primeiro ano do curso. Afinal, se a demanda for infinitamente elástica, o imposto incidirá apenas sobre a oferta. Mais detalhes nos bons livros de Economia do Setor Público.
Tá, e aí?
Caso você vá em frente com suas leituras, verá que esta história de tributação ótima não tem fim. Particularmente, acho isto tudo muito monótono, mas é um dos campos de trabalho mais importantes na profissão. Por exemplo, agora mesmo um partido da oposição (existe isto?) está dizendo que tem uma proposta para retirar os impostos dos remédios. Quem poderia não achar esta idéia simpática?
Entretanto, deve-se perguntar sobre o impacto da efetivação de uma proposta como esta na prática. Vão aumentar impostos em outros produtos para compensar esta queda? Ou cortarão gastos? Estas perguntas precisam de respostas claras antes que você saia por aí apoiando ou não uma proposta assim. Isto sem falar em algo que acabamos de ver: afinal de contas, quem, de fato, paga o imposto do remédio? Ah, e eu não falei de outros tipos de impostos e usei o caso simples como exmeplo. Na prática, claro, você tem que conhecer a incidência legal de impostos para poder calcular o impacto destas mudanças. No final do dia, só valeria a pena se o ganho para a sociedade compensasse o custo e, veja bem, eu duvido que o governo abriria mão de receita: certamente vai jogar impostos em outros produtos.
Uma última observação
Evidentemente (ou não, eu sou mais entusiasta de uma visão menos benevolente do governo, na tradição dos insights de James Buchanan. Os modelos acima são muito interessantes quando você supõe que o governante realmente maximiza algum tipo de bem-estar social o que, na minha opinião, não é um bom modelo para se entender o real funcionamento da ação do governo, mas isto fica para outro dia.
Bibliografia
Stiglitz, J.E. Economics of The Public Sector, 2nd ed., 1998. Norton.
Incentivos
É, meu caro…incentivos. O Doug Savage é muito divertido mesmo. Acabou fazendo um belo cartoon de humor corporativo.
UPDATE: Ah sim, um pouco mais de notícias com títulos engraçados ou relacionadas com o dia dos namorados universal (exceto no Brasil) aqui e aqui.
Beber cerveja significa beber mais Shochu? Ou significa que tem mais médicos por perto? E isto faz sentido?
Claro que você já sacou que estou de brincadeira. Bem, tudo começou quando li esta página (e esta e esta). Na verdade, eu quero é traduzir alguns nomes para ver se consigo trabalhar com esta base de dados. Até lá, ficamos na vontade (e sábado é dia de cerveja!).
De qualquer jeito, os japoneses já fizeram um bom trabalho com as correlações iniciais. É divertido analisar dados sem teoria, não? Olhando parte da tabela deles, descobrimos que…
Viu só? O consumo de cerveja tem a ver com tudo quanto é variável que você quiser imaginar. Agora, sem teoria, fica difícil saber o que está acontecendo, não fica? Dá para fazer aquelas matérias de jornal erradas que publicam por aí, do tipo: “beber cerveja aumenta o número de usuários no Facebook”.
A correlação é o início. Mas até o último chopp há uma longa noite…
UPDATE: que sorte a minha insistir nas buscas…outro artigo interessante…