Introdução
A resposta é simples: criminosos operam maximizando lucros e, uma vez que não possam estar no negócio de drogas, provavelmente buscarão lucros na prostituição ou nos assaltos. É o que nos lembra o falecido Baumol [Baumol (2010), citado ao final deste texto (*)].
Como assim? Vejamos o argumento do autor em três etapas (tradução livre minha com algumas modificações para facilitar a leitura).
1. Os criminosos são, muito provavelmente, indiferentes entre a gama de produtos ilícitos que podem ofertar (eles não se importam muito se lucram com cocaína ou com prostituição ou mesmo com a venda de armas para outros criminosos);
2. A descriminalização de qualquer produto ilícito não eliminará, nem reduzirá o total de crimes praticados, promovendo apenas uma realocação entre os diversos tipos de crimes.
3. Como criminosos buscam maximizar o retorno líquido de suas atividades, o papel da lei é muito importante. A adoção de leis que reduzem a oferta e aumentam a demanda de bens e serviços que geram perdas de bem-estar tornam lucrativo para os criminosos a alocação de seus esforços na oferta destes itens indesejáveis.
Ok, ficou chateado, não é? Mas o autor nos oferece uma solução achocolatada. Seu argumento tem duas partes: (a) descriminalizar bens e serviços como narcóticos e prostituição e; (b) ao mesmo tempo proibir alguns produtos pouco perigososo, incentivando sua oferta pelo crime organizado.
Seu exemplo é o de proibir a oferta de chocolates, o que incentivaria os criminosos a ofertarem este produto (e, ao mesmo tempo, fazer uma vigilância moderada desta nova atividade criminosa com a imposição de penas severas para o caso de uso da violência na oferta e demanda de chocolate).
Embora controverso, o ponto do autor é: um preço um pouco mais alto pelo chocolate não seria preferível aos assassinatos, sequestros, etc que existem no regime atual?
Será?
Claro que a proposta de Baumol merece algumas qualificações e tentarei fazer algumas aqui.
Primeiro, pode ser que a proibição de chocolates não atraia os criminosos da mesma forma porque estes podem ser heterogêneos (digamos que o criminoso que diversifica entre narcóticos e prostituição não substitua facilmente estas atividades por, digamos, doces e refrigerantes). A lucratividade relativa poderia ser bem diferente entre estas atividades (e talvez os custos de troca de negócios possam não ser triviais). Acho que o que eu disse pode ser resumido como: não devem haver sunk costs nas atividades envolvidas (ou, se existirem, o governo deveria trabalhar para diminuí-los noa caso do chocolate e/ou aumentá-las no caso dos narcóticos/prostituição) (1).
Outro ponto, mas que não é exatamente uma crítica ao argumento do autor, é a questão da credibilidade de uma política deste tipo. A mudança teria que ser crível para que os criminosos realmente se decidissem pela troca entre, digamos, a gerência da boca de fumo para a venda de chocolates. Na Economia do Crime, como sabemos, a probabilidade de detenção e prisão deve ser elevada, ceteris paribus, para que o criminoso se sinta desestimulado. Na proposta de Baumol, o governo, propositalmente, administraria um cardápio de probabilidades de detenção e prisão para diferentes tipos de atividades ilegais (ou seja, estamos falando de Equilíbrio Geral aqui…).
É interessante pensar que, na verdade, as autoridades já se comportam um pouco assim no mundo real. Há uma certa tolerância com camelôs que vendem produtos sem nota fiscal e as prisões são ocasionais, com uma certa vista grossa com relação a estas atividades. Aliás, dificilmente as pessoas têem uma imagem negativa tão forte de um camelô quanto a de um traficante de cocaína…
Ah, claro, eu não disse, mas Baumol apresenta alguns exemplos históricos para ilustrar seu argumento. O artigo pode ser encontrado por aí, na internet e, sim, vale a leitura.
Bibliografia
BAUMOL, W. J. On the allocation of criminal activity to ensure its social benefits. Journal of Policy Modeling, v. 32, n. 5, p. 662–669, 2010.
(*) Esta seção é, basicamente, uma tradução livre das seções iniciais deste pequeno artigo de Baumol.
(1) Será que esbocei aqui uma proposta de teste(s) de hipótese(s) para o leitor? Dado o número reduzido de leitores neste blog, creio que o uso, aliás, do “leitor” no singular tem um significado mais profundo…